Dr. Dalton A. S. Gabardo. Editorial Direito e Justiça. Jornal O Estado do Paraná. Publicado em 25.09.2004.

Assunto corriqueiro nas discussões judiciais de contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação, tanto nas revisionais quanto nas execuções hipotecárias (DL 70/66 e Lei nº 5.741/71) os juros de mora foram previstos em várias normas baixadas pelo extinto Banco Nacional da Habitação, assim como pelo Conselho Monetário Nacional – CMN, a partir da vigência do Decreto-lei nº 2.291, de 24 de novembro de 1986.

Assim é importante traçarmos um perfil histórico dessas normativas do BNH até chegarmos às resoluções emanadas do Banco Central do Brasil, e da cumulação das taxas de juros de mora com os juros remuneratórios, haja vista que nos contratos que antecedem a Resolução BACEN nº 1.980, de 30 de abril de 1993, não existia qualquer previsão contratual para a cobrança desses juros contratuais ou remuneratórios.

O extinto BNH estipulava em suas resoluções as cláusulas-padrão que deveriam ser inseridas nos contratos firmados com os mutuários, e dentre elas, a cláusula referente à impontualidade no pagamento das prestações e acessórios.

Desta forma, todos os contratos assinados, no âmbito do SFH, contém cláusula fixando e determinando a incidência dos juros de mora e, mais, tarde, juros de mora e atualização monetária, conforme adiante será tratado.

Inicialmente a Resolução de Diretoria do BNH nº 10/77, consolidou as regras de cobrança de encargos em atraso, fixando a taxa de 3% ao mês civil ou fração em atraso. Já a Resolução do Conselho do BNH nº 15/77 fixou a taxa em 1% por decêndio ou fração de atraso, revogando a anterior. A Resolução do BNH nº 81/80, não mais fixou a taxa contratualmente, fazendo-a, periodicamente, através de resolução. Nesta resolução ficou determinado que “a quantia a ser paga corresponderá ao valor da obrigação em cruzeiros na data do vencimento, acrescido de juros simples, calculada a taxa que vigorar na data do pagamento, de acordo com a regulamentação do BNH. Diante de tal abertura, o BNH fixou as seguintes taxas: a) R/BNH-82/80 em 1,5% por decêndio ou fração em atraso; b) a R/BNH 194/93 em 0,27 por dia de atraso e pela RC-15/84 em 0,35% por dia de atraso.

A Resolução de Diretoria nº 22/84 do BNH, corrigindo uma falha da R/BNH 81/80, exclui os “juros simples” e inserindo como “encargo adicional”. Todos os contratos celebrados a partir do dia 25.10.84 passaram a contar com a cláusula-padrão obedecendo a esse normativo, em conjunto com a RC-15/74, com a cobrança de 0,35% por dia de atraso.

Com o advento do Plano Cruzado (DL. 2.284/86), o extinto BNH, acompanhando decisão política governamental baixou a RD-57/86 que fixou em 0,33% por dia de atraso, a taxa para cálculo dos encargos adicionais.

É de se notar que as normativas do BNH até a vigência da RD-57/86 somente determinavam a cobrança de juros de mora, nas taxas estabelecidas em cada contrato, sem qualquer cobrança de atualização monetária das parcelas vencidas, assim como qualquer menção a juros remuneratórios.

Em conformidade ao DL. 2.291/86, artigo 7º, o Banco Central do Brasil, por delegação de competência do Conselho Monetário Nacional, baixou a Resolução nº 1.276, de 20.03.87, estabelecendo que “as prestações em atraso no SFH devem ser atualizadas com base no mesmo índice para a correção dos saldos de contas de poupança, desde a data do vencimento até a data do efetivo pagamento, acrescida da cobrança dos juros de mora à razão de 1% ao mês”. Tal resolução ainda facultou a cobrança da comissão de permanência no contratos não enquadrados no SFH (taxa de mercado e faixa livre), conforme ainda a ser comentado.

Entretanto, inovando toda a legislação até então em vigor, o Banco Central do Brasil pela Resolução nº 1.980, de 30 de abril de 1993, em seu artigo 26, trouxe novo mecanismo para cobrança das prestações em atraso, fixando: “As prestações de todos os financiamentos no âmbito do SFH pagas com atraso deverão ser ajustadas “pro rata die” com base no índice de remuneração básica dos depósitos de poupança, acrescidas de juros contratuais, desde a data do vencimento até a data do efetivo pagamento. Parágrafo Único: Além do ajuste referido neste artigo, poderão ser cobrados, caso não previsto contratualmente, juros de mora de 1% (hum por cento) ao mês”.

Diante de tais disposições normativas temos quatro momentos de fixação dos juros e encargos contratuais por atraso no pagamento das prestações, ou seja, de 1977 a 1984 com a fixação de juros simples, iniciando em 3% ao mês ou 1,5% ao decêndio; de 24.10.84 a 20.03.87 de acordo com as taxas divulgadas para o encargo adicional (somente juros); de 20.03.87 a 30.04.93 (período já abrangido pelas normas do BACEN), a cobrança de juros de mora de 1% ao mês e atualização monetária pelos mesmos índices de remuneração de poupança (leia-se TR. de acordo com o artigo 12, I, da Lei nº 8.177/91) e, a partir de 30.04.93, face ao regulamento baixado pela Res. BACEN nº 1.980/93, que estabeleceu que nos contratos do SFH, em atraso, seriam devidos além do ajuste monetário calculado pela remuneração dos depósitos de poupança (TR), seriam ainda acrescidos de juros remuneratórios contratados e mais juros de mora de 1% ao mês.

Como se sabe os contratos celebrados no SFH são definidos com duas taxas de juros, uma nominal e outra efetiva. Para o cálculo dos juros remuneratórios nas prestações em atraso os Agentes Financeiros utilizam a taxa de juros efetiva do contrato. Exemplo: contrato com taxa nominal de 11,28% ao ano e taxa efetiva de 12% ao ano. O cálculo da prestação em atraso sofrerá a incidência “pro rata die” do índice de remuneração da poupança, juros proporcionais a 12% ao ano e, ainda, juros de mora de 1% ao mês.

Diante desta colocação fica evidente que os contratos assinados até a vigência da RD 22/84, de 24.10.84, estariam subordinados às normativas anteriores, mas como a aplicação dessas taxas de juros de mora suplanta a atual cobrança de juros de mora de 1% ao mês e de atualização monetária pelos mesmos índices dos depósitos de poupança (TR), os Agentes Financeiros acabaram consolidando essa norma em todos os contratos dessa época.

Entretanto, para os contratos assinados a partir da vigência da RD 22/84, de 24.10.84, quando ficou estipulada apenas a fixação de “encargos adicionais”, os Agentes Financeiros entendem que a Resolução nº 1.276/87 acabou também por disciplinar os contratos assinados nesse período, sendo-lhes, aplicado, assim, a mesma determinação da Res. 1.276/87, ou seja, juros de mora de 1% ao mês e atualização monetária pelos mesmos índices dos depósitos de poupança (TR) e outros agentes ainda entendem que seria devido o encargo previsto na Res. 1.980/93.

Para os contratos encampados pela Res. 1.276/87 a correção monetária cobrada no período em atraso é o mesmo pago pelos Agentes Financeiros na captação dos depósitos de poupança. E, como se sabe, a atualização monetária ou correção monetária é apenas a correção do valor nominal da moeda, não enriquecendo ou empobrecendo as partes. Já os juros de 1% ao mês são maiores do que os juros de 0,5% pagos na captação dos depósitos, repercutindo no ganho de 0,5% ao mês.

Agora para a nova sistemática de cobrança para os contratos inadimplentes surgida com a Resolução BACEN nº 1.980, por seu artigo 26, ampliando os encargos cobrados a partir da vigência dessa resolução, com a introdução dos juros contratuais devidos, além dos juros de mora de 1% ao mês e da atualização monetária, e que os Agentes Financeiros estão aplicando em todos os contratos vigentes, independentemente da data de assinatura, surgindo daí a interpretação que os contratos assinados antes da vigência da Resolução nº 1.276, de 20.03.87 somente podem ser aplicados os juros de mora de 1% ao mês, sem atualização monetária, em face de sua não previsão contratual, e para os contratos assinados a partir dessa mesma Resolução e até 30.04.87 somente podem ser aplicados os juros de mora de 1% ao mês e atualização monetária pelos mesmos índices de poupança e, finalmente, a partir da vigência da Resolução nº 1.980, em 30.04.93, com a incidência dos juros contratuais, nas taxas contratadas, atualização monetária pelos mesmos índices de poupança e juros de mora de 1% ao mês.

Entretanto, alguns colegas, visualizam que a cobrança de juros de mora de 1% ao mês e juros remuneratórios contratuais (pela taxa efetiva do contrato) representam na ilegalidade da cobrança de juros sobre juros, o que estaria vedado em nossa legislação civil e reconhecido pelos tribunais superiores. Como essa matéria demandaria uma explanação mais aprofundada, deixamos que o assunto seja tratado dentro dos casos patrocinados pelos colegas que, certamente, escolherão a melhor alternativa para evitar a cobrança abusiva dos encargos decorrentes do atraso das prestações no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação.

Finalmente, apenas para comentar, alguns contratos celebrados, mesmo com destinação residencial (social – o que estaria no escopo do artigo 9º da Lei nº 4.380/64) a partir da vigência da Medida Provisória nº 1.671, de 24.06.1998 e diante do contido na Resolução BACEN nº 2.458, artigo17, estão sujeitos também à cobrança de comissão de permanência e juros de mora, na forma da legislação em vigor, ou seja, a Resolução nº 1.276/87. Assim, como os juros de mora estão fixados em 1% ao mês e a “comissão de permanência” não é um encargo com cálculo dentro das atividades da Carteira de Crédito Imobiliário, onde atuam os Agentes Financeiros nos empréstimos para aquisição da casa própria, permitindo assim a aplicação dessa comissão de acordo com as taxas bancárias normalmente praticadas pelo banco financiador (taxas máximas), o que repercutirá na saudável discussão de sua legalidade e abrangência.

Dalton A. S. Gabardo
OAB-PR 11.123